quarta-feira, 18 de novembro de 2015

VÍDEOS: guerra contra as pessoas

Pedro Miguel
A resposta será impiedosa, sentenciou François Hollande, na mesma noite de sexta-feira, quando ainda nem se escutava das ambulâncias em Paris. A reação chegará ao mesmo nível dos ataques, segundo o primeiro-ministro Manuel Valls. No dia seguinte, um enxame de aviões deixou cair umas vinte bombas sobre territórios dominados pelo Estado Islâmico, na localidade síria de Raqqa – que já havia sido atacada por estadunidenses e russos.
 
A mídia ocidental assegura que os hospitais não informaram sobre baixas civis decorrentes dessa ação, mas vários vídeos surgiram mostrando o contrário. A organização pró-ocidental “Raqqa está sendo massacrada em silêncio” informou no sábado e no domingo, via Twitter, que cerca de trinta ataques foram realizados no bairro de Al Hason (onde morreram cinco pessoas, incluindo uma menina), onde estão o edifício da Corte Islâmica, a sede do corpo de bombeiros, o estádio de futebol da cidade, um museu e um hospital. Se a resposta ordenada por Hollande ainda não causou mortos civis, certamente provocará em breve, porque está pensada para ser tão terrível quanto os ataques contra os locais públicos parisienses da semana passada, e porque não há como destruir uma cidade com bombas, como quer fazer a França, sem matar pessoas inocentes. A guerra é assim.

O que não fica muito claro é a conformação dos bandos nesta guerra. É verdade que os Estados Unidos, a Rússia, o Irã e a França se encontram do mesmo lado, contra o Estado Islâmico, mas Washington quer acabar com o governo sírio, enquanto Teerã e Moscou pretendem salvá-lo. Estados Unidos, Irã e Rússia querem também fortalecer o regime do Iraque, mas Obama mantém intactos os vínculos do seu país com a Turquia e a Arábia Saudita, que há tempos são dois dos mais conhecidos patrocinadores do Estado Islâmico.

A França, por sua parte, mantém uma ofensiva militar antiterrorista de 12 mil efetivos, centenas de veículos e dezenas de aviões na Mauritânia, Mali, Niger, Chade e Burkina Faso, além dos bombardeios na Síria.

Para maior confusão, as organizações armadas fundamentalistas tampouco se caracterizam pela unidade: o Estado Islâmico sofre a oposição do Jadhat al Nusra, grupo ligado à Al Qaeda, da milícia xiita Hezbollah (respaldada por Teerã), e de uma aliança denominada Frente Islâmica, inimiga de Bashar Al Assad e apoiada por Washington.

Ou seja, não estamos numa guerra entre cristãos e muçulmanos, nem diante de um novo conflito Leste-Oeste, nem nada parecido. Os que mais se parecem entre si são os inocentes massacrados, tanto na Síria quanto na França –por mais que os segundos tenham um nível de vida muito superior ao dos primeiros –, e os líderes dos países e das facções envolvidas. Por sua parte, Obama, Putin, Hollande e Valls parecem estar empenhados em apagar todas as diferenças entre eles e os líderes do Estado Islâmico – Abu Bakr al Baghdadi, Abu Muslim al Turkmani, Abu Ali al Anbari, entre os mais conhecidos – mediante golpes com a mesma carga de brutalidade que a das agressões recebidas.

Esta é uma guerra contra as pessoas, e a melhor forma de atiçá-la é cair nos alinhamentos preconcebidos, nas piedades industrializadas e na armadilha do desprezo xenofóbico ao sofrimento dos demais. As vítimas de Paris não estão competindo com as da Síria, nem com as do Líbano, nem com as de Ayotzinapa, e tampouco há motivo para perder a humanidade até o ponto de negar aos demais a empatia comum com as vítimas inocentes em nome de uma suposta solidariedade com os palestinos, ou os estudantes mexicanos mortos no ano passado. Os bandos passam por cima das fronteiras e podem se definir assim: aqueles que possuem as armas e aqueles que estão sob a ameaça delas.

Tradução: Victor Farinelli


sexta-feira, 13 de novembro de 2015

Você sabe quem decidirá o que é "Terrorismo" no Brasil?

Najla Passos
Mídia Ninja
A Lei Antiterrorismo aprovada pelo Senado foi o tema da terceira rodada de debates dos “Seminários para o Avanço Social”, promovido pelo Fórum 21, na Assembleia Legislativa de São Paulo, nesta quarta (11). Polêmico por permitir a criminalização dos movimentos sociais e suprimir direitos individuais, o projeto de lei foi aprovado por conta de uma aliança inusitada, firmada entre o governo federal, proponente da matéria, e às forças conservadoras, representada pelo senador Aloysio Nunes (PSDB-SP), relator da matéria.

Professor de Política Internacional da PUC-SP, Reginaldo Nasser ressaltou que tão inusitada quanto a aliança, foi o fato do projeto ter sido gestado não pelo Ministério da Justiça, mas sim pelo da Fazenda, o órgão que controla a política econômica do país. Segundo ele, isso se deve ao fato de que as leis antiterroristas se tornaram uma exigência do GAFI, um órgão criado pelo G-7 em 1990 para combater a lavagem de dinheiro internacional.

O professor relatou que, na época, a preocupação principal do GAFI era combater a lavagem de dinheiro do tráfico internacional, mas, depois do 11 de Setembro, o órgão passou a exercer pressão para que os países aprovassem as ditas leis antiterroristas nos moldes da norte-americana para que este suposto terrorismo fosse combatido em conjunto por todas as nações. A partir de 2006, prescreveu recomendações específicas para que as nações se adequassem ao modelo, sob pena até mesmo de serem expulsas do grupo. Entretanto, até hoje, apenas 36 países aderiram.

Nassar enfrenta a principal justificativa do órgão para a implementação dessa política: a de que “as democracias ocidentais estejam sob forte ataque de forças terroristas”. De acordo com ele, dados oficiais dos Estados Unidos e da Europa mostram 85% das 18,5 mil vítimas de atos terroristas ocorridos em 2014 estão concentradas em apenas cinco países, nenhum dele ocidental: Síria, Iraque, Paquistão, Nigéria e Afeganistão. Do total de mortos no ano passado, apenas 50 foram em solo norte-americano e oito na Europa.

Ele demonstra também que o número de países que classificaram crimes cometidos em seus territórios como atos terroristas aumentou exponencialmente. “No inicio da década passada, eram dez, doze, treze países por ano. Hoje, são mais de 60”, explica ele, para demonstrar como o enquadramento da prática pela ótica norte-americana se alastrou pelo mundo e, agora, chega ao Brasil, até então celebrado pela sociedade civil internacional como uma das potências a resistir ao modelo.

Conceito inviabilizado

Apesar do aumento na classificação de crimes de terrorismo pelos países, o professor alerta que não há consenso nem mesmo sobre a definição do que é a prática, problema jamais solucionado sequer pela ONU. Segundo Nasser, os conceitos mais usuais hoje colocam os estados como vítimas, o que impede que eles também possam ser criminalizados por cometê-la. “Se a gente olhar pra o nazismo e, depois, para o período da guerra fria, a palavra ‘terror’ não era alocada apenas na ação de grupos não estatais. Hoje, é o contrário”, esclarece.

Para ele, a dificuldade de conceituação do termo fica explicita no projeto aprovado pelo Senado brasileiro que, se passar a vigorar, delegará às autoridades policiais e judiciais o poder de definir, caso a caso, o que é e o que não é terrorismo. E, o que é ainda mais grave: ele acusa o projeto de extrapolar o intento de tipificar o terrorismo, interferindo em questões soberanas do Brasil.

“Se a gente olhar este projeto antiterrorismo, ele adquiriu uma autonomia tal que pouco se importa em responder ao terrorismo”, acusa ele, lembrando que o projeto transita da tipificação às finanças, passando pela política propriamente dita, porque regula até mesmo como deve ser a atuação da sociedade civil, além de restringir direitos individuais. “Mais do que um projeto de reação ao terrorismo, faz parte da grande estratégia norte-americana”, alertou.

Lei Antiterrorismo X Lei da Anistia

Ex-procurador-geral de São Paulo, Marcio Sotelo Felippe ironizou a preocupação do governo brasileiro em aprovar a lei antiterrorismo, com a desculpa de fazê-lo para atender a compromissos internacionais. Ele lembrou que, em 2010, o Brasil foi condenado a rever sua Lei da Anistia que permite que torturadores e assassinos da ditadura permaneçam impunes, e jamais tomou qualquer medida para solucionar o problema. “O Brasil não cumpre compromissos internacionais pelo dever moral de respeitar o que acordou, mas sim quando outros interesses falam mais alto”, criticou.

Para o ex-procurador, o inusitado interesse do governo e da direita brasileiros de aprovar o projeto se justifica não apenas pelas imposições dos organismos internacionais, mas se situa no quadro da ofensiva conservadora que se espalha no mundo. “A causa disso tem a ver com esses fatores que o Nasser colocou, da luta contra o terrorismo internacional, o 11 de setembro, etc. Mas há também um outro aspecto que é, no plano internacional, um movimento de direita antipopular e de repressão à movimentos políticos de reivindicações populares e democráticas”, sustenta.

Fellipe lembra que uma conduta, para ser tipificada como crime, tem que estar rigorosamente descrita na lei penal. E quando isso não ocorre, depara-se com os chamados ‘tipos penais abertos’, muito utilizados pelos estados autoritários, porque permitem interpretações diversas. Como exemplo, ele extraiu do texto aprovado pelo Senado brasileiro expressões de difícil conceituação prática, como “terror generalizado”, “extremismo político” e “perturbação da ordem pública”.

“Digamos que alguém jogue um rojão na porta do metrô e 40 pessoas saiam correndo de medo. Isso é terror generalizado? É possível sustentar isso? É. E quando alguém joga a bomba atômica em Hiroshima, é terror generalizado? Também é. São coisas completamente diferentes, mas que no quadro lógico da linguagem que se usa na redação das leis, permite que se trate como terrorismo a bomba atômica de Hiroshima e um rojão na porta do metrô”, exemplifica.

Para o procurador, a insegurança que este tipo de lei gera para a sociedade, em especial para os movimentos sociais, é que quem vai decidir o que é e o que não é terrorismo é a autoridade policial, o delegado, o promotor. “Quem vai decidir o que são essas coisas? Agentes policiais. A PM, o delegado, o promotor, Quem vai decidir isso é o promotor que acha que a Simone de Beauvoir é uma ‘baranga francesa’, porque ela não raspa as axilas”, ironiza ele, lembrando que, neste quadro de  crescimento de posturas direitistas de viés autoritário, que muitas vezes ultrapassam o limite dos fascismo, é cada vez mais comum se encontrar autoridades policiais e judiciais com visão social míope.

Estado democrático X estado de exceção?

Professor de Direito Constitucional da PUC-SP, Pedro Serrano, sustenta que, em todo o século XX, os governos autoritários ocorreram fora do marco da democracia, caso do nazismo e das ditaduras latino-americanas. Entretanto, ele alega que hoje isso mudou e os estados autoritários coexistem dentro dos próprios estados democráticos, sendo que as leis antiterrorismos são a ferramenta mais utilizadas para implementá-los.

“A forma como as ditaduras do mundo ocidental se realizaram no século 20 foi sempre a partir dessa narrativa de se combater o inimigo, sempre por períodos provisórios. A ditadura brasileira foi instaurada para durar 4, 5 anos. Ou seja, era sempre a narrativa da exceção, o tempo da emergência, para se estabelecer a segurança como valor social essencial para a sobrevivência das pessoas. No século 21, isso transmuta. O estado soberano absolutista passa a existir dentro da democracia. E não mais fora dela, como foi até o século 20. Os exemplos são as leis antiterroristas, a lei da mordaça espanhola”, explicou.

O professor alerta que, se as leis antiterrorismo já são uma ameaça à democracia nos países centrais, na América Latina elas adquirem um componente ainda mais violento, de forte caráter classista. Isso porque, no primeiro mundo, o inimigo apontado como terrorista é o estrangeiro, o muçulmano, o islâmico. Já na América Latina, esse inimigo é o “bandido”, entendido não como o cidadão que cometeu um erro, mas como uma categoria em si. E como o bandido é normalmente o pobre, aceita-se a coexistência de dois estados diferentes para que toda a pobreza possa ser domada pelo Estado.

“Na América Latina, temos efetivamente uma duplicidade. Temos dois estados. Um estado democrático que gere os territórios ocupados pelos seguimentos incluídos da população, marcadamente de euro-descendência, e um estado de exceção permanente, de natureza militar, que gere os territórios ocupados pela pobreza”, denuncia.

O professor lembra que nestes territórios ocupados pela pobreza os direitos individuais já estão permanentemente suspensos, a despeito da aprovação ou não de leis antiterroristas. De acordo com ele, isso ocorre porque, ao contrário do que ocorre nos países centrais, onde o agente de exceção é o ato legislativo, na América Latina o principal agente de exceção é o próprio judiciário. “Aqui foi criada uma cultura jurídica com forte influência do positivismo analítico, que outorga ao juiz quase um poder absoluto, que o permite até mesmo contrariar a lei. E é esse judiciário que vai aplicar essa lei que o Senado aprovou”, alerta.



quinta-feira, 5 de novembro de 2015

"É mentira dizer que a corrupção será derrotada com o Direito Penal"

Marcelo Galli - Conjur
Agência Pará de Notícias
Citado constantemente na jurisprudência penal brasileira, o ministro aposentado da Suprema Corte da Argentina Eugenio Raúl Zaffaroni não economiza frases de efeito. Não apenas pela fala simples e direta, mas pelo pensamento bem organizado. Com opiniões fortes, o jurista argentino falou com exclusividade à revista eletrônica Consultor Jurídico sobre questões atualíssimas na Justiça brasileira, como a delação premiada, a figura do juiz de instrução, a escalada do punitivismo e o combate à corrupção.

Na Argentina, a delação premiada é traduzida pela figura do “arrependido”, segundo o Código Penal do país. Para o ministro aposentado da Suprema Corte do país, quem resolve colaborar com a Justiça em troca de benefícios como redução de pena é, sem meias palavras, um psicopata, porque “não respeita sequer as regras da ética mafiosa para negociar a sua impunidade”.

Ainda assim, todas as garantias desse réu precisam ser respeitadas, pois a quebra das garantias em um processo pode coloca em risco todo procedimento. “Talvez, respeitando as garantias, algum corrupto possa fugir ou ficar impune. Mas, quebrando as garantias, suja-se todo o procedimento”.

Ele conta que, na Argentina, órgãos de direitos humanos exigiram procedimentos extraordinários e lei especial para julgar quem cometeu crimes durante a ditadura militar argentina, nos anos 1970 e 1980, chamados por ele de “genocidas”. Zaffaroni explica que os juízes resistiram à pressão para os julgamentos não serem questionados depois pelos réus. “Eles foram condenados segundo o Código Penal, o Processo Penal, por juízes naturais e com garantia de defesa. O genocida preso não pode falar hoje que foi condenado por processo político.”

Na opinião do criminalista, que esteve recentemente no Brasil para participar de um evento sobre garantia do direito de defesa organizado pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, em Brasília, para se combater a corrupção seriamente é preciso melhorar o sistema institucional de controle, porque o Direito Penal entra em cena quando o crime já foi cometido. Para Zaffaroni, é mentira dizer que a corrupção vai ser derrotada com o Direito Penal, porque a punição do corrupto não vai acabar com a prática do crime.

Leia a entrevista:

ConJur — Quais são os riscos das quebras das garantias constitucionais dos acusados?
Raul Zaffaroni — Isso cria e reforça a suspeita de que houve manobra política. O criminoso, seja um genocida ou corrupto, deve ser condenado, respeitando-se as garantias para que não surjam dúvidas. Hoje, ninguém consegue desviar milhões e milhões em dinheiro, transferir grandes quantias em dólares sem deixar marcas, é impossível. Não é preciso meios extraordinários nem de quebra de garantias para punir quem cometeu crimes.

ConJur — Como o senhor vê o que está acontecendo no Brasil atualmente em relação à operação “lava jato”? Aponta-se que algumas garantias processuais não estão sendo respeitadas.
Raul Zaffaroni — É um erro, porque vai ficar a dúvida sobre a clareza do julgamento. Talvez, respeitando as garantias, algum corrupto possa fugir ou ficar impune. Mas, quebrando as garantias, suja-se todo o procedimento, esse é o grande problema.

ConJur — A pressão é grande para que elas sejam quebradas, não?
Raul Zaffaroni —
 Na Argentina, alguns órgãos de direitos humanos exigiam procedimentos extraordinários e lei especial para julgar os genocidas da ditadura militar. Defendemos que não poderíamos fazer isso. Eles foram condenados segundo o Código Penal, o Processo Penal, por juízes naturais e com garantia de defesa. O genocida preso não pode falar hoje que foi condenado por processo político.

ConJur — Reduções ou até esquecimento dos direitos individuais são justificáveis para combater a corrupção?
Raul Zaffaroni — Para combater a corrupção seriamente é preciso antes melhorar o sistema institucional de controle porque o Direito Penal sempre chega tarde, quando o dano já está feito. É como dizer que punindo o genocida, evita-se o genocídio. É justo punir o genocida e o corrupto, mas não vai prevenir a corrupção nem evitar o genocídio. É mentira dizer que a corrupção vai ser derrotada com o Direito Penal.

ConJur — Qual é a opinião do senhor sobre a delação premiada? A figura do arrependido, como é chamada na Argentina.
Raul Zaffaroni — Não é só um arrependido, é um criminoso relevante, porque quem faz a delação está no núcleo do esquema criminoso, não é um marginal que assinou alguma coisa ou que levou uma malinha. É também psicopata, porque não respeita sequer as regras da ética mafiosa para negociar a sua impunidade em troca de informações que não são confiáveis.

ConJur — Existe atualmente uma escalada de punitivismo?
Raul Zaffaroni — A escalada tem um pouco de terrorismo midiático e corresponde a um modelo de sociedade. Se quisermos ter uma sociedade 30% incluída e 70% excluída, precisamos punir mais, para conter os 70% que ficam de fora. Se nós pensarmos em uma sociedade mais ou menos inclusiva, com Estado de bem estar social, outro grau de punitivismo é aplicado.

ConJur — O Processo Penal perdeu legitimidade?
Raul Zaffaroni — Ele tem alguns problemas. Na Argentina, o Processo Penal permite detenções preventivas longas e possibilitando uma pena antecipada. A maioria dos presos está nessa situação. Não são condenados. Nesse sentido, acho que perdeu legitimidade. Um novo Código de Processo Penal argentino começará a valer no começo do próximo ano, talvez esses problemas sejam resolvidos. Existe hoje o juiz instrutor, que é uma figura fascista, napoleônica.

ConJur — Por quê?
Raul Zaffaroni — Alonga a instrução por cinco, seis anos. É incrível, mas acontece. Mesmo que o sujeito não esteja preso, estar sob processo durante muito tempo é um castigo. Ele não pode sair do país, cada vez que quiser, tem que pedir permissão. É um absurdo.

ConJur — O juiz que participa da instrução pode participar do próprio julgamento do caso ?
Raul Zaffaroni — Não, porque está apaixonado pelo seu trabalho. Ele fez a investigação, juntou as provas, tem a convicção de que o sujeito é um assassino, não pode julgá-lo de forma neutra. A instrução é um trabalho de paciência, é natural apaixonar-se pelo trabalho feito, pela obra realizada.

ConJur — Por que surgem juízes justiceiros e midiáticos?
Raul Zaffaroni — Pode ser uma patologia. Não são loucos, mas neuróticos. São atraídos pela possibilidade de fama, de entrar para a política, fazer discursos.

ConJur — É bom para a democracia o Judiciário ser protagonista?
Raul Zaffaroni — O Judiciário sempre é protagonista porque é um ramo do Estado. Cada julgamento, cada sentença é um ato de governo. O Judiciário é político nesse sentido. Outra coisa é partidarização, quando também assume uma atitude opositora ao governo ou até golpista. E tem também o problema do juiz que quer virar estrela. O Judiciário é como o bandeirinha e juiz em uma partida de futebol. Não é jogador, mas necessário, porque sem eles não há jogo.

ConJur — O Direito Penal do Inimigo tem ganhado espaço nos tribunais?
Raul Zaffaroni — Sempre temos aplicado. O inimigo é encontrado quando se vai à cadeia. A seletividade do sistema penal atinge as classes sociais mais vulneráveis, geralmente os presos são os mais pobres, que têm menos tempo de estudo e, portanto, praticam os crimes mais grosseiros, que são mais fáceis de ser descobertos. O sistema penal é seletivo sempre, é estrutural, no Brasil, Argentina ou China, no mundo todo. Fala-se muito em responsabilidade penal das pessoas jurídicas. É um risco, porque vai acabar castigando apenas a pequena e média empresa, o pequeno e médio empreendimento, que é mais vulnerável.

ConJur — Porque as grandes empresas vão ter condições de se defender...
Raul Zaffaroni — Os maiores são invulneráveis. Podemos estar criando um filtro que vai destruir os pequenos e médios empreendimentos, que são os maiores empregadores.

ConJur — A sociedade contemporânea tem vontade de vingança?
Raul Zaffaroni — O poder punitivo e o sistema penal canalizam a vingança, que faz parte da condição humana. A mídia, porém, exacerba a vingança, alimenta esse desejo. Os meios de comunicação monopolizados fazem parte de um modelo de sociedade excludente. Não estou falando de jornal, porque a cada dia lê-se menos. Falo da televisão, o grande monopólio televisivo, seja Rede Globo, Clarín, Azteca ou Televisa, que faz parte do capital transnacional pelo volume dos seus negócios. Esse modelo precisa ter um sistema punitivo forte como forma de contenção dos excluídos. Os meios de comunicação não têm culpa, o culpado é o Estado, que permite a formação dos monopólios.

ConJur — O senhor poderia fazer uma comparação em relação a criminalidade na Argentina e no Brasil?

Raul Zaffaroni — A realidade argentina de criminalidade violenta é menor, com um índice de homicídios de 7,5 por 100 mil. Mas há pequenas semelhanças, como a concentração de homicídios nas favelas, “villas misérias” como são chamadas lá, embora haja menos favelados do que no Brasil.

ConJur — O discurso hermético de juízes e advogados esconde a falta de conhecimento técnico ou é intencional para não se comunicar com a sociedade?
Raul Zaffaroni — É um dialeto cheio de eufemismos, as coisas mudam de nome. Algumas pessoas não falam assim por má vontade, aprenderam a falar esse dialeto e não sabem se comunicar de modo diferente. Outras aproveitam o dialeto para ocultar coisas. No tempo da inquisição, registrava-se nas atas que a declaração havia sido espontânea, mas ocultavam que tinha sido feita depois de tortura. Eu já invalidei declarações policiais que diziam “num espontâneo afã por confessar”. Era uma fórmula usada pela polícia na época da ditadura. A pessoa fez a declaração porque foi violentada.

ConJur — O que o senhor acha da redução da maioridade penal?
Raul Zaffaroni — Na Argentina querem reduzir de 16 anos para 14. Brinco que deve valer também para fetos, porque alguns são agressivos. Em Buenos Aires, há uma incidência baixa de homicídios cometidos por menores de 16 anos. É absolutamente irrelevante, mas existe a campanha pela redução. O regime militar reduziu a maioridade penal para 14 anos em 1976 e em 1980 teve que voltar atrás.

O que é e como decide uma corte bolivariana?

Marcia Baratto e Andrei Koerner
wikimedia commons
Há quase um ano, o ministro Gilmar Mendes afirmava que o STF corria o risco de se tornar uma “corte bolivariana”. A afirmação se dava no contexto da reeleição da presidente Dilma Rousseff, em virtude da qual ele viria a ser o único ministro daquele tribunal nomeado antes dos governos Lula e Dilma, se mantida a regra da aposentadoria compulsória aos 70 anos estabelecida pela Constituição de 1988. Mas a idade de aposentadoria foi aumentada para 75 anos, por uma reforma constitucional, viabilizada pela perda de apoio político da presidente no Congresso. Vários ministros ganharam sobrevida e o Tribunal volta a se assemelhar a uma gerontocracia, tal como a Suprema Corte norte-americana ou o STF da República Velha.

A afirmação de que a instituição não deveria se converter numa ‘corte bolivariana’, nesse contexto, significaria que a composição da corte constitucional totalmente indicada por um presidente ou por presidentes do mesmo partido levaria à servilidade da instituição aos interesses do chefe do executivo ao qual os ministros estariam politicamente alinhados por conta da indicação. Mas o termo ‘corte bolivariana’ tinha conotações que remetiam a vários preconceitos: ideológico, de classe e profissional. Ele era contraposto a tribunais constitucionais de países democráticos avançados, compostos por juízes homens, brancos e formados em grandes escolas, representantes dos valores de classe média e apoiadores dos direitos fundamentais da sociedade capitalista. Esse seria o modelo para o Brasil. Por sua vez, a “corte bolivariana” seria um ente indefinido, retrógrado e suspeito de ideologia e parcialidades.

É certo que o termo ‘bolivariano’ está associado ao novo perfil de líderes democráticos de esquerda dos anos 2000. Desde as eleições de Hugo Chaves na Venezuela, Evo Morales na Bolívia, e Rafael Correa no Equador, o termo tem sido utilizado por analistas e atores do debate político para descrever propostas e retóricas políticas que prometem amplas reformas e sociais igualitárias e inclusivas. Ele remete aos ideais de libertação nacional de Simón Bolívar, personagem histórico ao qual o nome do Estado da Bolívia faz homenagem.

Os críticos conservadores consideram-nos governos que flertam perigosamente com ideias coletivistas, atrasadas, e que possibilitam arbitrariedades. As instituições públicas desses países atuariam segundo os desígnios de seus líderes, contrariando a democracia representativa e o estado de direito.

Esse contraste sugere a questão proposta neste artigo. O que é e como decide uma corte bolivariana? A resposta permitirá afastar alguns preconceitos e examinar outras possibilidades de defesa e promoção de um projeto constitucional democrático. Para tanto, será analisado o perfil institucional do Tribunal Constitucional Plurinacional (TCP) e uma das decisões recentes dessa corte sobre o conflito envolvendo o Território Indígena e Parque nacional Isidoro Sécure (TIPNIS).

As reformas políticas da década de 1990, que instituíram reformas econômicas e, sobretudo, a ampliação da participação popular no Estado via a criação de conselhos representativos para comunidades indígenas, foram consideradas insuficientes e desastrosas pelos movimentos sociais da vasta coalizão que levou Evo Morales ao poder em dezembro de 2005. Convém destacar que, desde o último censo, 60% da população da Bolívia declararam-se indígenas e esse reconhecimento identitário moldou o perfil do Estado na Constituição de 2009. Essa nova ordem constitucional reconheceu que as nações indígenas e seus direitos originários, a defesa do meio ambiente e exigências de desenvolvimento econômico e políticas sociais ocupam o mesmo patamar de direitos fundamentais e são a base de todo poder político estatal. O grande projeto político a ser realizado pela união das diversas nações numa única comunidade política é a descolonização do Estado e da sociedade. Esse discurso político é essencial para entender a atuação do tribunal constitucional.

Uma das mais expressivas mudanças institucionais diz respeito à inclusão da justiça comunitária tradicional no Judiciário, reconhecendo ao TCP o poder de realizar o controle de constitucionalidade de regras e decisões baseadas nos diversos direitos indígenas aplicados no território boliviano. O novo órgão constitucional herdou parte das competências do antigo Tribunal Constitucional e de outros órgãos de cúpula do judiciário boliviano. Ele foi moldado para ser uma corte constitucional apta a receber o novo perfil plurinacional e nomeadamente pós-colonial do estado boliviano concebido pela Constituição de 2009.

O TCP é composto por sete juízas e juízes titulares e sete juízas e juízes suplentes, todos eleitos via pleito direto organizado pelo Tribunal Superior Eleitoral, o que ocorreu pela primeira vez em 2011. O acesso para a eleição se dá via propositura de candidatura pré-selecionada pela Assembleia Plurinacional, que deve obedecer a dois tipos de cotas para os candidatos: 50% devem ser mulheres, e dentre os pré-selecionados deve haver candidatos oriundos da justiça comunitária e/ou indicados por organizações indígenas. Ao final da eleição, duas juízas ou juízes deverão ser, obrigatoriamente, de origem indígena. O sistema usa o critério da autodeclararão para identificação dos candidatos. Entre os requisitos para a candidatura estão: ser formado em direito e ter experiência com direito constitucional, administrativo ou direitos humanos.

Convém salientar que não existe campanha para a eleição, as informações sobre cada candidato são disponibilizadas pelo órgão eleitoral que organiza o pleito. Os cargos não são vitalícios, e cada juíza ou juiz permanece por seis anos no cargo, sendo vedada a reeleição. O modelo institucional de nomeação recebeu muitas críticas dos opositores de Evo Morales, sobretudo pela pré-escolha dos candidatos pela Assembleia Plurinacional e pela eleição direta para a seleção das juízas e juízes. No centro da crítica, acusações de que o novo sistema não prioriza a meritocracia, o que comprometeria a qualidade da justiça realizada por julgadores eleitos para o TCP.

Dado que Evo Morales está no terceiro mandato – que foi considerado legal pelo TCP, com amplo apoio popular, embora enfrente conflitos difíceis com a oposição, seriam as juízas e juízes do TCP cooptados pelo Presidente, ou coagidos a decidir em favor dos seus interesses? Seria possível aferir algum grau de autonomia para o TCP, dado o seu perfil institucional e o contexto político onde atua?

O conflito sobre a construção de uma estrada no TIPNIS é um bom termômetro da relação entre o TCP e o governo boliviano, pois ele dividiu a base social de movimentos indígenas de apoio ao Presidente. O território de TIPNIS é habitado por diversos grupos e nações indígenas que hoje disputam a possibilidade de construção da estrada Villa Tunari-San Ignacio de Mojos. O grupo liderado pela Sub-central de TIPNIS almeja a retirada do projeto de construção e pode ser caracterizado como uma clássica associação de indígenas tradicionais que pleiteia a manutenção e o isolamento de suas terras. Ele argumenta que TIPNIS deve permanecer protegido de projetos de desenvolvimento econômico, potencialmente desastrosos para a sua preservação. Os grupos articulados pelo Conisur (Conselho Indígena del Sur) e apoiados pelo governo de Evo Morales, identificados como indígenas-campesinos, demandam à liberação da construção da estada, como medida necessária para o escoamento da produção de coca que é o principal meio de sustento de muitas comunidades da região. O projeto se iniciou em 2011 e está paralisado desde meados de 2014, após vários embates jurídicos nacionais e internacionais.

No meio desse conflito, o TCP recebeu mais de 20 pedidos, que questionaram a constitucionalidade do processo de abertura da estrada em TIPNIS. Entre os pedidos, constam denúncias de repressão a lideranças indígenas, inconstitucionalidade das leis que tentam regulamentar a consulta e a construção da estrada. O tribunal assumiu uma clara função de mediador: determinou que o Estado Boliviano construísse uma solução pactuada com as organizações indígenas e ambientais em disputa, incluindo processos de consulta para todas as comunidades envolvidas.

No processo decisório, o tribunal recebeu diversas petições de organizações indígenas de ambos os lados do conflito e realizou audiências públicas com as comunidades indígenas envolvidas. O TCP tomou como base normativa de suas decisões o direito internacional dos direitos humanos, sobretudo no que diz respeito ao direito de consulta às comunidades indígenas, como peça fundamental para a interpretação da Constituição boliviana. A justificativa é que os direitos indígenas implicam o reconhecimento das autoridades indígenas como autoridades políticas, aptas a decidir sobre o seu futuro e o uso dos seus territórios. Essas garantias da ordem constitucional boliviana são inafastáveis, e medidas de legitimidade de todo o poder estatal.

Ao exigir que as organizações sociais indígenas deveriam ser efetivamente ouvidas para explicitar o que significam os direitos indígenas, o TCP deu legitimidade a uma concepção dos direitos indígenas tradicionais associada a uma defesa ambientalista forte de preservação de reservas de florestas naturais. Ao executivo, afirma o Tribunal Constitucional Plurinacional, cabe respeitar os parâmetros de direitos fundamentais e de direitos humanos previstos na Constituição Boliviana, do qual os direitos indígenas são um capítulo importante, e conseguir uma solução pactuada para a disputa em TIPNIS.

A mediação realizada pela corte constitucional boliviana, no contexto de intensa polarização entre os diversos movimentos indígenas na Bolívia, tem permitido que comunidades indígenas e organizações ambientalistas sejam bem sucedidas, até o momento, na sua tentativa de evitar a construção da estrada. O vice-presidente da Bolívia já admitiu que o processo de consulta sobre a construção da estrada em TIPNIS foi equivocada e que o governo central abrirá novas rodadas de negociação, o mostra que o TCP tem encontrado meios de questionar e fiscalizar ações do governo central, neste caso em específico, contra medidas governamentais que também contam com o apoio comunidades indígenas cocaleiras.

Assim, o TCP trabalha com diferentes fundamentos normativos, e não se limita ao texto da Constituição, a direitos naturais e menos ainda à vontade do Presidente. A forma de decisão mostra que ele atua no interior das pressões e contrapressões entre governo, oposição e grupos políticos, de modo a contribuir à construção de decisões que atendam ao mesmo tempo aos direitos humanos, aos princípios constitucionais e aos procedimentos da deliberação política, e que sejam aceitáveis para os contendores. A decisão final ainda está para ser tomada, mas vemos um tribunal que não é um mero órgão usado para referendar as vontades do grupo no poder, nem que se coloca no papel de uma instância supostamente contramajoritária, que, de um ponto de vista neutro e isolado dos conflitos políticos, coloca a defesa de princípios abstratos em contraponto às decisões dos representantes eleitos. Desse modo, o TCP indica que há possibilidades de se pensar e praticar a justiça constitucional para além da oposição tradicional entre constitucionalismo e democracia.


O amor é um sentimento possessivo.

PARCIAL E FALSO

"O capitalismo é essencialmente corrupto, a exploração é uma coisa corrupta. Enquanto houver o capitalismo vai haver episódio de corrupção. Claro que um funcionário público não pode receber dinheiro, é um crime. Ele tem de ser punido. E o PM que alivia o motorista irregular ganhando R$ 10? Também é corrupção. Tanto quanto o parlamentar que recebe dinheiro de um grupo econômico. Mas parece que ali nenhum parlamentar nunca recebeu dinheiro e o único episódio foi o mensalão. Por isso que falar de corrupção na embocadura coxinha é uma coisa parcial e falsa"

(Jurista Nilo Batista, em entrevista à Revista Caras Amigos, outubro/2015)
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A sua próxima edição especial temática da Caros Amigos pode estar aqui. Confira!

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LANÇAMENTO

Somos reféns. Reféns de um mundo montado na lógica do dinheiro, nas regras de finanças que, leigos, sequer conhecemos. A nós cabe experimentar os seus efeitos quando o curso desanda: baixam nossos salários, preços e juros disparam, os empregos somem, cortam recursos destinados a projetos sociais e à melhoria de vida de milhões de pessoas. 

Neste especial, Caros Amigos aborda os vários aspectos desse setor que se tornou uma ameaça aos direitos dos cidadãos e aos governos, capaz de pulverizar economias e concentrar riquezas como nenhum outro. Saiba mais

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quarta-feira, 4 de novembro de 2015

terça-feira, 3 de novembro de 2015

MENSALÃO TUCANO NÃO TEM PRISÕES, DELAÇÕES NEM SENTENÇAS

Dayane Santos - Portal Vermelho
reprodução
Quando juristas e lideranças de outros setores da sociedade apontam o uso da Operação Lava Jato e outras investigações como um instrumento do golpismo, a direita conservadora esperneia. Mas existem fatos que comprovam essa afirmação, como o caso do chamado “mensalão”.

Depois de ficar 11 anos praticamente parada no Supremo Tribunal Federal, a ação judicial que trata dos fatos relacionados ao mensalão tucano de Minas Gerais começou a tramitar no mês passado na Justiça em Minas Gerais, mas não saiu disso. A informação foi publicada no jornal Folha de S. Paulo desta terça-feira (3).

Enquanto a grande mídia seletivamente acusa, julga e sentencia, na maioria das vezes com base em ilações e factoides, e juízes posam como “heróis” paladinos da Justiça, nenhuma peça se move no julgamento que envolve o tucano e ex-governador de Minas Gerais, Eduardo Azeredo (PSDB), que foi o primeiro a utilizar os serviços do publicitário Marcos Valério de Souza, condenado na Ação Penal 470, para financiar campanhas políticas.

A “celeridade da Justiça” em investigar, negociar delações premiadas e prender parece não existir quando se trata de tucanos. A ação foi ajuizada em dezembro de 2003 – quatro anos antes da denúncia criminal – no Supremo. Saiu pronta para o julgamento e há sete meses aguarda a sentença da juíza Melissa Pinheiro Costa Lage, da 9ª Vara Criminal de Belo Horizonte.

Segundo o Ministério Público, o governo do tucano Azeredo foi responsável por um esquema de desvio de R$ 14 milhões, em valores corrigidos, de empresas públicas mineiras para financiar a sua campanha de reeleição, em 1998. O pagamento seria para a agência SMPB, de Marcos Valério, com o objetivo de patrocinar o evento esportivo Enduro da Independência.

Só para comparar, a empresa de marketing esportivo do filho do ex-presidente Lula, Luis Cláudio Lula da Silva, teve a sua empresa devassada por uma ação da Polícia Federal por ter recebido pagamento de uma das investigadas. O detalhe dessa ação é que não há qualquer indício de irregularidade.

Já no caso de Azeredo, o promotor Leonardo Duque Barbabella aponta que há provas irrefutáveis. Em entrevista recente, ele criticou a demora da tramitação. “É um descrédito para o Ministério Público, é um descrédito para o Judiciário”, afirmou. “Já há provas mais do que suficientes. A vantagem é que na área cível não prescreve”, frisou.

Hoje, pouco se fala de Azeredo, que na época do escândalo era deputado federal e renunciou ao cargo para fugir do processo no STF. Especula-se que o objetivo do tucano é arrastar o processo utilizando os recursos de apelação até completar 70 anos, em 2018, quando as acusações prescreverão e ficarão impunes. Pelo andar da carruagem isso é bem possível.

De acordo com a Folha, a assessoria do Tribunal de Justiça mineiro informou que a juíza tem frisado a extensão da ação, que tem 52 volumes. E enfatizou ainda que a decisão será tomada após a leitura de cada um. A publicação, no entanto, salienta que a Ação Penal 470, chamada de “mensalão”, cujo julgamento aconteceu em 2012, tinha 147 volumes.

Outro parlamentar que renunciou foi o empresário Clésio Andrade (PMDB), ex-senador que é réu no mensalão tucano. O processo dele também está na 9ª Vara e anda a passos de tartaruga.


Do Portal Vermelho, Dayane Santos com informações de agências

segunda-feira, 2 de novembro de 2015

Texto publicado no Blog Responsabilidade e Ação de Diego Amorin

Este artigo, escrito pelo economista e escritor alemão Hannes Grassegger, trata sobre um tema extremamente relevante que é a nova economia mundial. O tema é tão complexo e envolve tantas variáveis e perspectivas que, muitas vezes, a sociedade comum nem se dá conta sobre os "efeitos colaterais" que impactam quando do uso de tais práticas oriundas dos novos modelos econômicos e sociais, estes que trazem novos paradigmas para a sociedade em geral. O fato é que nem sempre existem fontes e materiais confiáveis para se apoiar e construir uma discussão sadia baseada em uma argumentação sólida.
 
Não é o caso deste artigo - traduzido por Anne Posten e adaptado na íntegra do website que estará disposto ao final da escrita, pois ele é muito envolvente e vai à fundo na essência do tema em questão. Recomendo sua leitura. É espetacular!


Por Hannes Grassegger, 1º de Junho de 2015

Privacidade. Transparência. Vigilância. Segurança digital. Estou cansado desses termos. Eles só servem para mascarar a realidade: perdemos todo o poder sobre nós mesmos.

Querem provas? Se os dados pessoais são o petróleo do século 21 — uma commodity pela qual empresas desembolsam bilhões — então por que nós, a fonte de tais dados, não somos coroados os reis desse novo mundo?

Esse petróleo digital (ou conteúdo, ou big data) é nada mais, nada menos, do que a informação pessoal — minha informação pessoal. Minha personalidade digital. Hoje "entrar na internet" não é mais uma escolha ou uma possibilidade, e sim uma condição intrínseca à existência. Algo essencial. Parte de mim. Passo no mínimo metade da minha vida online: tanto profissional quanto pessoalmente. Como dito por Artie Vierkant, nós vivemos em uma realidade "pós-internet". A internet não é mais um reino distante; ela é uma parte fundamental de nossas vidas. Minha identidade ainda é uma, mas parte dela é digital. Somos feitos de átomos e matéria. A internet é a externalização do meu mundo interior, e esse mundo interior está intimamente ligado ao resto de mim.

Os dias de anonimato estão contados. Minha persona digital conhece meus pensamentos (emails), minhas emoções (emoticons), meus relacionamentos (Facebook), meus contatos profissionais (LinkedIn), minha frequência cardíaca rastreada pelo meu Apple Watch e meus genes avaliados pelo 23andMe. Cada vez mais, tudo em nós pode ser quantificado.

A internet é comandada por empresas privadas. E ainda assim, quase tudo nela é gratuito.

Esse truque é antigo. Eles nos atraem para novas terras, férteis e abundantes, equipadas com tudo o que há de melhor; e em troca, eles ficam com toda a colheita: nossos pensamentos e sentimentos codificados em letras e números. E agora eles estão explorando essa nova mercadoria com algoritmos de big data e análises de sentimentos. “Colocando a alma para trabalhar", como diz Franco Berardi.

Todos nós "compartilhamos". Mas os mais espertos também acumulam — e para completar, eles estão nos sugando para dentro de suas nuvens. A Apple me obriga a passar todos meus contatos e dados da minha agenda para o iCloud toda vez que sincronizo meu iPhone. Novas regras: a partir de agora, a Apple quer saber com quem eu estou, quando eu os vejo e porquê nos encontramos. Os Termos e Condições são a leis desse novo mundo, estabelecidas por uma nova classe dominante, aos pés de quem devemos nos ajoelhar para jurar lealdade caso queiramos manter nossos bens. Dê-me todos seus dados. Aceite ou vá embora. O total de usuários do Gmail é maior do que a população dos Estados Unidos; em termos de usuários mensais, o Facebook é maior do que a China.

Meus dados se transformam em um rio de dinheiro que desemboca no Vale do Silício. É na indústria de tecnologia que o dinheiro circula com mais velocidade. Os US$ 22 bilhões gastos pelo Facebook na compra do Whatsapp e os US$ 3,2 bilhões que o Google gastou com o Nest são apenas gotas dentro de um oceano sem fim. No presente momento, a Apple possui US$ 178 bilhões em dinheiro líquido; a Microsoft, US$ 95 bilhões; o Google, US$65 bilhões; e o Facebook e a Amazon juntos possuem US$29 bilhões. Imaginem o valor do Tinder, um gráfico perfeito dos padrões da atração humana. O Vale conta com meio trilhão de dólares, e é seguro dizer que a maior parte desse dinheiro veio de nossos dados pessoais. Contemplem o oceano dourado dos dados ou suas espantosas cordilheiras. Estamos frente a picos nunca dantes vistos.

Corremos o perigo de que as novas empresas de mineração de dados nos explorem com a mesma perversidade com que os mineradores do passado arruinaram o solo do planeta

Para os espiões do governo, todos esses dados pareciam uma brilhante oportunidade, uma fonte que produz todo tipo de informação essencial para a "segurança nacional". Depois que os Cinco Olhos — a NSA e companhia — se apropriaram desses dados, as empresas fizeram um motim: a curiosa aliança entre arquirrivais como a Microsoft e a Apple, aliadas ao Google, o Twitter, o LinkedIn e o Facebook (!), endereçou um editorial no New York Times, publicado em dezembro de 2013, aos “governos de todo o mundo". Em abril de 2015, quando os parlamentares da União Europeia em Bruxelas ainda se recusavam a aceitar as leis de Proteção de Dados Europeus defendidas pelo Google, bastou que a empresa prometesse uma "parceria" com os maiores jornais europeus para que eles vendessem seu apoio por 150 milhões de euros e a promessa de alguns clique a mais. Essa crescente pressão não passa de um chilique de criança mimada: "Ei, esses dados são MEUS!". Mas quem é o verdadeiro dono de tudo isso?
Há pouco tempo, o guru do Vale do Silício Jaron Lanier fez essa pergunta da forma mais ingênua possível: "a quem isso pertence?". Mal sabe ele que a verdadeira questão é "a quem eu pertenço?"

O fato de não termos mais controle sobre nossas próprias vidas pode ser visto no caso de Maximilian Schrems, um estudante austríaco de 27 anos que há anos tenta, sem sucesso, mandar pedidos judiciais para que a Irlanda — local que abriga a sede europeia do Facebook— devolva todos seus dados pessoais coletados pela empresa durante sua breve presença no site. A luta de Schrems resultou em três meses de auditoria sobre o processo de coleta de dados do Facebook e possíveis mudanças na política da empresa, mas o processo continua a correr na Corte de Justiça Europeia e nos tribunais austríacos.
Uma simples hipótese mostra claramente o tipo de poder que esses novos tiranos têm sobre nós: imagine que seu provedor simplesmente proíba o acesso aos seus emails. Quanto você pagaria para não perder todas suas informações?

Em alguns lugares, isso já acontece: no México, "sequestradores virtuais" hackeiam a identidade virtual de suas vítimas a fim de controlá-las como marionetes. O que você faria para impedir que sua mulher soubesse do seu vício em pornografia? Ou para evitar que sua mãe receba mensagens com detalhes gráficos de todo seu sofrimento? Será que esses dados são realmente virtuais?

Eis a história do próximo filme do James Bond: o Dr. No compra o Facebook e faz 1.3 bilhões de pessoas de reféns.

A informação pessoal é uma matéria-prima escassa. Cada indivíduo cria seu próprio grupo de informações, semelhante a uma assinatura única no canto de um quadro. Uma expressão de caráter único. Em vez de carne, um aglomerado de dados. Esse é o objetivo de todas essas análises e algoritmos: você. O conhecimento acerca de seus desejos e anseios mais profundos. E como os dados pessoais são a matéria-prima mais cobiçada do século 21, corremos o perigo de que as novas empresas de mineração de dados nos explorem com a mesma perversidade com que os mineradores do passado arruinaram o solo do planeta.

Vá em frente, jogue fora seu celular e seu computador, saia correndo do Facebook. Você vai ver: não há escapatória. Porque nos últimos anos, tudo que nos cerca se tornou tecnológico. O problema não se limita às redes sociais: eles nos vigiam com sensores de carros, TVs, geladeiras ou com as câmeras de "cidades inteligentes" como o Rio de janeiro, Baltimore ou Estocolmo — como visto no recente caso das TVs Samsung, que estavam transmitindo dados sobre o comportamento de seus donos para a empresa. “Eles nos olham enquanto nós os olhamos”, cantou o Wu-Tang Clan em 1998. Na época, essa era apenas uma teoria da conspiração. Uma época em que pulseiras eletrônicas que transmitem informações não eram um acessório chamado Fitbit, mas sim uma punição reservada para criminosos que precisavam ser vigiados. Hoje nós pagamos para isso.

Desde que as revelações de Snowden vieram à tona, está claro que também pertencemos ao Estado. Correspondências, ligações, padrões de movimento: eles sabem de tudo. Nesse aspecto, o governo e a indústria têm objetivos curiosamente parecidos. "Reunir e organizar toda a informação do mundo"— este é a declaração de missão original do Google. O NSA, o BND e o GHCQ certamente aprovariam essa ideia.
Somos servos de dois mestres, e agora eles estão em guerra. Informação é tanto dinheiro quanto poder. A batalha digital por recursos já começou, e isso é bom para nós.

Quando dois brigam, um terceiro se dá bem. É a hora certa para a batalha de distribuição da Nova Era Digital. As cartas estão dadas, e o jogo já é nosso. Não temos muito a perder; afinal, é a primeira vez que nos é permitido jogar.

Todo o esforço será compensado. Todos os bilhões acumulados pelo Facebook & Companhia podem ser nossos. De acordo com uma estimativa da empresa Boston Consulting Group, em 2020, a Europa irá lucrar mil bilhões — ou seja, um trilhão de euros — com nossos dados pessoais. Além disso, pensem em todos os empregos administrativos que irão desaparecer graças ao advento da Inteligência Artifical e da digitalização. Esses sistemas se alimentam de dados pessoais. As correções de suas mensagens privadas estão tornando os tradutores obsoletos e o serviço de localização do seu celular está destruindo o trabalho dos taxistas tradicionais. É por isso que seus dados valem tanto. É por isso que digo que sou o capital.

Se quisermos ver a cor desse dinheiro, teremos que aprender a vender nosso produto. Colocar nossos corpos, ideias e emoções digitais à venda. Em outras palavras, precisamos vender nossas almas.

Quantas vezes nos disseram que a internet é a terra da liberdade? O oposto não poderia ser mais verdadeiro: temos que trazer os direitos e a liberdade pela qual tanto lutamos no mundo físico para o novo reino digital. Temos que estabelecer nossa soberania — e a liberdade de usar nossos dados para benefício próprio.

Assim como nós, empresários e empregados, temos vendido nossas habilidades por séculos, agora é preciso vender nossas informações pessoais antes que outros o façam. Mesmo que você odeio o livre mercado, a criação de um mercado de dados ainda é uma realidade muito mais agradável do que a servidão ou o monopólio do poder. É como eles dizem: a liberdade está a um clique de distância.

Temos todo o aparato necessário. A ideia é simples: escassez artificial. Reconquiste sua terra e seu corpo, pare de entregar sua colheita e deixe esses déspotas tão famintos que eles não terão outra opção senão te pagar o que devem. Deixe Bruce Schneier e Wall Street orgulhosos. Use todos os cypherpunks e toda a criptografia, e quando isso não bastar, use todos o poder de persuasão da bolsa de valores.

Nós temos que trazer os direitos e a liberdade pela qual tanto lutamos no mundo físico para o novo reino digital

Primeiro, temos que reunir todos nossos dados e trancá-los em um cofre criptografado. Então entregaremos as chaves dos nosso tesouro para aquele com a melhor oferta — e que negocie segundo nossas leis.
Sejamos anti-liberdade. Se em vez de serviços falsamente gratuitos tivéssemos um fluxo monetário ligado diretamente a esses dados, o lado oculto do mercado e todas suas transações secretas viriam à tona. Ninguém no Vale do Silício quer que isso aconteça; o sistema se baseia na nossa submissão.

É preciso ter pressa. Se não agirmos agora, o Google, o Facebook e o NSA irão criar uma realidade intransponível, assim como os limites erguidos por impérios que, mesmo caídos, ainda insistem em nos subjugar.

Que entre o dinheiro. Que venha o fim da servidão digital. Se a minha alma já tem valor de mercado, exijo todo seu lucro.








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Hannes Grassegger é um economista alemão, nascido nos anos 80 e autor de Das Kapital bin Ich. Você pode segui-lo no Twitter através do perfil @HNSGR

Texto original disponível em:
http://motherboard.vice.com/pt_br/read/eu-sou-o-capital 

LAMENTÁVEL, A MODERNIDADE ESTÁ DOENTE

É estarrecedor saber que a região metropolitana de São Paulo tem o maior índice de doença mental do mundo! As mudanças na pós-modernidade estão deixando as pessoas cada vez mais doentes.
Essa é a crueldade do modelo dominante,  comandado pelo mercado e o capital.

domingo, 1 de novembro de 2015

Caros amigo de Porto Alegre e região,

Em julho, você disse que queria participar da Mobilização Mundial pelo Clima e agora é possível se juntar a um evento super legal na sua área!

Um membro da Avaaz em sua região está coordenando o evento local, como parte da ação global. Você vai receber atualizações e todos os detalhes por e-mail, sendo que o organizador vai mostrar como você pode ajudar a tornar a mobilização ainda mais incrível.

Clique no link abaixo para obter mais detalhes sobre o evento, marque a data em seu calendário e convide todos os seus amigos para participar!

Detalhes da mobilização:
MARCHA GAUCHA DO CLIMA
29.11.2015, 11:00:00
Parque Redenção, ao lado do café do lago, Porto Alegre ,RS,BR
Veja a página do evento:
https://secure.avaaz.org/po/event/globalclimatemarch/MARCHA_GAUCHA_DO_CLIMA


No dia 29 de novembro, véspera do início das negociações climáticas de Paris, vamos tomar coletivamente as ruas em todo o mundo para fazer a maior mobilização pelo clima da história. Mal posso esperar para fazer parte desse movimento ao seu lado.

Com esperança de que vamos causar um impacto incrível,

Oli, Morgan, Rewan, Ana Sofia, David e toda equipe da Avaaz